A pressão no trabalho te faz sofrer? Talvez os atletas de Paris te ensinem umas coisas
Se a cobrança por performance e o estresse profissional te deixam doente, talvez existam caminhos para sobreviver. Nesta edição da Bem no Trabalho, tentamos aprender com a Rayssa e os heróis olímpicos
Eu não ligo muito para esportes. Sabe aquela pessoa que acompanha pontuação de campeonato de tudo que é coisa, suspira de emoção com o ranking de medalhas, memoriza resultados de partidas históricas, fica tensa até em jogo da série C e chora quando o time do coração é rebaixado? Não sou eu. Claro que eu cresci e ainda sou cercada por amantes do futebol no Brasil (e hoje me considero uma são-paulina aposentada), mas sofrer de verdade por causa de competições entre times nunca fez sentido para mim. Não gosto de sofrer de modo geral, só o faço quando não consigo evitar.
Dito isso, não significa que eu não me divirta assistindo às Olimpíadas de Paris 2024. Mas para torcer mesmo eu tenho que, antes, me “apaixonar” pelo atleta, porque de gente e histórias de vida eu gosto. Daí pode ser pelo carisma, pelo talento, pela beleza, ou sei lá pelo quê me faça me conectar àquele abençoado e torcer por ele com desespero. Como fiz com neste fim de semana com a Rayssa Leal e com as meninas da ginástica.
Ser atleta, sinceramente, me parece uma profissão muito difícil e frustrante. Imagina você abraçar uma vida de anos de disciplina, dores, limitações e restrições, para botar tudo a perder em UM DIA A CADA QUATRO ANOS?
Uma distração de segundos, uma coceira no nariz, um pensamento errado, uma rinite, uma cólica, um mosquito - qualquer coisinha pode jogar o sonho de ser um medalhista olímpico no lixo para todo o sempre. Como eles conseguem viver com esse tipo de pressão?
Vejam, como exemplo de como tanto estresse causa comportamentos estranhos, esta declaração:
Eu sei que muita gente acredita em mim. Eu queria agradecer essas pessoas, pedir desculpa pela medalha de prata, mas eu tenho certeza que na próxima Olimpíada vai vir uma de ouro.
“Desculpa pela medalha de prata?” É uma frase até esquisita de ouvir. Pois quem disse isso foi o judoca Willian Lima, primeiro atleta a dar uma medalha pro Brasil nesta Olimpíada. Perdeu na final para Hifumi Abe, do Japão, numa disputa bem acirrada. Dá para entender a frustração, ele tinha acabado de ser derrotado.
Mas pô, ganhou a primeira medalha de prata do Brasil, parabéns né?
Você nota que a autocrítica dominou o rolê todo quando lê mais sobre o William, que não tinha grana para fazer esportes quando criança e conquistou tanta coisa desde então.
“O judoca, de 24 anos, queria realizar o sonho de ter seu filho ao seu lado na França para carregar a medalha no peito. Dom, de apenas nove meses, já pôde presenciar o papai chegar ao pódio e ainda inaugurar o quadro de medalhas do Brasil na edição das Olimpíadas de 2024.
Para chegar à final, o brasileiro derrotou Sardor Nurillaev (Uzbequistão), Serdar Rahimov (Turcomenistão), Baskhuu Yondonperenlei (Mongólia) e Gusman Kyrgyzbayev (Cazaquistão).
Mas, para falar a verdade, provavelmente se cobrar tanto assim é parte do que fez o William chegar ao pódio. Já falei que é minha profissão pesadelo? rs
Outro exemplo marcante de como o excesso de pressão por resultados pode fazer mal é esta cena aqui. Foi de cortar o coração ouvir o choro copioso ( se quiser ver o vídeo) da multicampeã japonesa Uta Abe deixou o tatame e a arena aos prantos depois de ser eliminada nas oitavas de final por Diyora Keldiyorova, do Uzbequistão, atual número 1 do mundo.
Abe, que é fodona e tem quatro títulos mundiais (2018, 2019, 2022 e 2023), tava indo super bem quando levou um ippon a 50 segundos do fim do tempo regulamentar. Ela desabou no choro e precisou ser consolada pelo técnico por alguns minutos. A cena comoveu a arena, e a japonesa deixou o local sob aplausos do público.
Organiza sua energia
Daí eu fui assistir a Rayssa Leal. Você sabe, a Fadinha, embora ela não goste desse apelido. Ela é um poço de carisma e de história boa, do jeito que eu (e o Brasil todo) gostam.
Não tem como não amar uma garotinha do Maranhão que começou a andar de skate aos 7 anos fantasiada de fada.
As meninas do skate são todas muito animadas e sorridentes; sorriem até quando levam tombos. Mas a Rayssa tinha um ziriguidum extra.
Notei que imediatamente antes de entrar na pista ela sempre fazia uma dancinha e beijava o pingente, num gesto religioso. Ela diz que a fé é uma ferramenta importante para ela nas provas - ela fez um gesto que pode até lhe render uma punição.
"Eu fiz porque faço em todas as competições. Para mim é importante, eu sou cristã, acredito muito em Deus.
Na primeira volta dela hoje, em que todo mundo esperava que ela fosse brilhar e já disputar a medalha de ouro, ela se atrapalhou, cometeu erros e acabou tirando uma nota baixa. Depois perguntaram para ela o que rolou:
É que eu não esperava tanto brasileiro aqui, então, querendo ou não a gente sente uma pressão muito grande para acertar tudo e dar o melhor. Foi isso que aconteceu. Eu não estava dentro da pista naquela hora, estava preocupada com o pessoal que estava aqui fora. O apoio deles é essencial, óbvio, mas eu acabei desequilibrando um pouco.
Até a torcida (ou a expectativa que os outros têm sobre o seu trabalho) pode desconcentrar a pessoa na hora: mais pressão ainda.
Por isso faz sentido que uma das técnicas dela para se concentrar na hora da prova seja ouvir uma playlist (Adoro, uso fone até para trabalhar em escritório vazio rs).
Nas apresentações pelo mundo, ela costuma fazer as voltas ao som de trap e rap, gêneros musicais que lhe transmitem boas vibrações, atmosfera semelhante ao que encontra no universo do skate. Hoje as músicas que ela estava ouvindo durante a competição iam desde o cantor Djavan até o rapper L7nnon.
Outra coisa que pareceu ajudar foi abraçar a família e os amigos nos intervalos.
E na preparação para Paris, além de treinar muita manobras de skate, ela investiu bastante em aprender maneiras novas de garantir sua saúde mental.
“Estou fazendo academia, ficando muito forte”, brinca Rayssa. “Estou fazendo terapia e fazendo a minha escola certinho. Estou bem organizada e a terapia me ajudou nisso também, a me organizar, a organizar os meus sentimentos e a minha energia”.
Saber descansar nos intervalos e folgas
Ganhar a medalha após os erros na primeira rodada foi um alívio para Rayssa.
"Com certeza, acho que foi um alívio para todo o mundo, né? Porque, cara, eu realmente estava muito nervosa, acho que foi o campeonato em que eu mais fiquei nervosa. Acabei errando manobras simples e, tipo, comecei a me cobrar bastante, uma coisa que eu não precisava fazer. Era só me divertir, e foi o que eu fiz depois, entendi que era só colocar um sorriso no rosto mesmo"
Também me parece saudável o esforço da menina em não se deixar viciar no estresse do trabalho. Já vi muitos casos de pessoas que se habituam à pressão e não sabem o que fazer com essa tal liberdade quando não estão trabalhando. Tá investindo nos seus interesses por diversão, e não só por obrigação? A vida não é só trabalho, nem para atletas olímpicos.
Questionada sobre o que faria na volta ao Brasil, ela disse:
"Vou estudar, né? Cara, por que você foi me lembrar?", disse, franzindo caricatamente o sobrolho, em tom de brincadeira. "Voltam as aulas, pô. Agosto vai começar. Eita!" Também quer brincar com seu skate, como fazia quando criança e ganhou o apelido Fadinha. "Eu ainda não andei de skate em Paris. Quero andar pelas ruas mesmo, deve ter um monte de pico legal", disse.
Para ler/assistir mais
Biles escrevendo seu próprio final (matéria da Veja) - Outra moça que decidiu organizar a bagunça antes que fosse tarde. Uma das maiores atletas de todos os tempos, a ginasta americana Simone Biles retirou-se de vários eventos nas Olimpíadas de Tóquio para priorizar sua saúde mental, o que fez dela um modelo para muitas outras pessoas.
Sua história é tema de um documentário em duas partes, O Retorno de Simone Biles, que entrou na plataforma Netflix. “Nunca pensei que voltaria a competir depois de Tóquio”, diz Biles na série. “Tive que lutar contra demônios, dia após dia nos treinos. Eu realmente tenho que provar a mim mesmo que posso fazer isso. Eu posso escrever meu próprio final.”
Se curar do trabalho envolve mais que o trabalho (texto da NPR) - A Biles aproveitou os quatro anos entre uma olimpíada e outra para investir em se curar. Spoilers do que ela fez?
“O treinador disse que a única cura real era tirar uma folga e tentar trabalhar o seu bem-estar geral, inclusive a saúde mental. E foi isso que ela fez. Ela fez terapia; na verdade, ela convenceu o marido, o jogador da NFL Jonathan Owens, a procurar um psicólogo esportivo também, e ele fala sobre como isso tem sido útil em sua carreira. Ela passou um tempo processando traumas em sua vida, incluindo o fato de ter sido uma das muitas ginastas que confessou ter sofrido abuso sexual”.

Exercícios para o cérebro (reportagem do NYTimes) - Como disse, eu nunca gostei de esportes, e só fazia para emagrecer - ou ficar mais bonita, sempre por essas pressões estéticas. E nunca viciei, nem me apeguei. Agora, recentemente, aprendi o quanto o exercício faz bem para o meu cérebro - e me pego com vontade de fazer todos os dias. Milagre? Pode ser, mas a ciência confirma essa ‘mágica’.
O exercício gera aumentos de curto prazo na cognição. Estudos mostram que imediatamente após uma sessão de atividade física, as pessoas apresentam melhor desempenho em testes de memória operacional e outras funções executivas. A atividade física também beneficia o humor. Pessoas que praticam exercícios regularmente têm melhor saúde mental do que pessoas sedentárias. E os programas de exercícios podem ser eficazes no tratamento da depressão das pessoas, levando alguns psiquiatras e terapeutas a prescrever atividade física.
Recadinho do <3: sei que essa semana atrasamos a edição, mas, dentro do tema da newsletter, o motivo foi porque eu mudei de trabalho e fiquei tão envolvida em me adaptar que demorei me organizar nos textos aqui.
Mas fiquei feliz com nossos novos assinantes que continuam chegando e com muitos que vieram me perguntar se a newsletter ia continuar, com as mudanças de trabalho. Vai sim. Essa troca com vocês me faz muito feliz. E ficar feliz é o objetivo final dessa coisa toda, né não?
Deixo vocês com a volta triunfal de Celine Dion: (tem doc sobre ela também!)
Fica bem, faz exercício, beijo e até a próxima,
Ligia
Crédito: Agradecimentos ao Tércio Silveira, da Forno a Letra, pela revisão.
adorei a conexão com o tema olímpico! e fiquei pensando aqui, a pressão em ganhar a medalha de ouro pode nos afetar em tantas áreas, né? na prática de um hobby, nos relacionamentos e por aí vai