Foi (e continua sendo) bom pra você?
Esta é a terceira edição da Bem no Trabalho, a minha newsletter em que conversamos sobre carreira e bem-estar, e todo o território comum entre esses dois temas. Para quem como eu, está querendo descobrir novas maneiras de trabalhar, ser feliz e ter saúde. Será que é possível?
Olá, feliz ano Novo! Confesso que eu estava bastante apegada às minhas férias radicais de janeiro - é a primeira vez na vida que me dei esse privilégio de começar o ano sem agenda, em casa, sem programação, deixando as ideias descansarem e fermentarem.
Tudo bem que dizer que não fiz nada é exagero. Sabe hiperfoco? O meu atual tem sido organizar armários. Faz dois anos que me mudei para uma casa no mato, mas como sempre estive trabalhando bastante nunca organizei tudo como queria. Janeiro tem sido o acerto de contas com os armários cuja organização eu adiei: joguei fora muitas caixas cheias de lixo reciclável. Delícia! (Não sou freak da limpeza e da organização, mas é verdade que acalma a mente do adulto olhar uma despensa organizada.) Quem quiser me dar presente ou puxar conversa é só me falar de organizadores e potes, rs.
Mas voltemos ao assunto desta newsletter. O fato é que voltei e estou feliz em abrir as atividades profissionais de 2024 falando sobre um tema tão importante: o trabalho, esse cara de quem a gente reclama tanto, mas sem o qual é muito difícil viver (pelo menos para nós, mortais que não herdaram fortunas nem acertaram a Mega da Virada).
A esta altura você já notou que eu adoro uma boa perguntinha, então aqui vai a primeira do ano: já parou para pensar se o seu trabalho é bom para você?
A pergunta vale mesmo para quem já sabe que não é feliz nas condições atuais, mas ainda não sabe para onde seguir: o que seria, afinal, um trabalho ou emprego bom para você?
Mas antes, um recadinho:
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Perguntas que nunca nos fizeram
A questão é difícil, considerando que se trata de uma conversa praticamente inexistente mesmo no começo da carreira, quando escolhemos a profissão ou saímos em busca de nossos primeiros trabalhos. Em geral, trabalho bom é aquele que te paga direitinho, de preferência com carteira assinada e um plano de saúde maneiro. Mas será que é só isso?
Minha memória sobre o tipo de questionamento que eu recebia na época de escolher o curso para o vestibular seguiam uma linha mais basicona:
Que disciplinas você mais gosta no colégio, biológicas, humanas ou exatas?
Você é boa de redação?
Desmaia quando vê sangue?
O que você mais gosta de fazer, escrever ou resgatar bichinhos doentes?
Gosta de lidar com o público, ou prefere ficar fechada numa salinha?
Não me entenda mal: são questões importantes, mas mais ligadas ao ofício de cada profissão do que ao tipo de motivação que nos levam a trabalhar.
Verdade que é muito difícil filosofar e olhar para dentro dos anseios da sua alma quando sua urgência é arrumar dinheiro para sobreviver: o nível de profundidade desse debate costuma cair quando sua prioridade é pagar as contas o mais rápido possível.
Era assim que eu me encontrava no ido ano de 2004. Uma jovem Ligia nos 20s, recém-chegada do Paraná depois de tomar uma atitude inconsequente: pedir demissão da escola de inglês em que dava aula, terminar com o namorado que queria casar e tentar ser jornalista na cidade grande. Todo dia eu pegava um ônibus diariamente para a Avenida Paulista, onde havia grande concentração de agências de emprego (não tinha Linkedin naquela época, crianças).
Minha motivação naquele tempo era mais básica: conseguir qualquer emprego em jornalismo que me permitisse morar em São Paulo e não precisar voltar para o interior do Paraná, onde eu não tinha liberdade nem autonomia para existir direito. As perguntas que eu fazia, naquela época, eram tipo as seguintes:
será que esse salário vai dar para sobreviver em São Paulo?
será que eu aceito esse emprego de redação, mesmo sendo PJ e sem benefícios?
será que seria mais seguro eu aceitar a vaga de secretária bilíngue de uma grande corporação, que não tem nada a ver mas paga mais?
se eu entrar nesse trabalho às 7h, que horas tenho que acordar para pegar o ônibus?
Pois não se preocupe, caro leitor, porque agora aprenderemos a fazer perguntas diferentes. ( E essas basiconas a gente guarda no coração, para um momento de necessidade).
O que é mais importante?
Comecemos pelo simples. Podemos concordar que um emprego bom vai respeitar os seus valores, certo? Parece uma afirmação razoável. Mas será que você sabe MESMO quais são os valores mais importantes para você quando o assunto é trabalho?
Pois eu sei: meus valores mais importantes são saúde e liberdade.
“Uau Ligia, você realmente é muito adulta nos paranauês do trabalho sabendo responder isso tão rápido. E o que isso tem a ver com o emprego bom?”
Eu explico. Saber isso significa eu saber que, dentro das possibilidades no jornalismo, que é a minha área, eu serei mais feliz em um modelo de trabalho que me permita atuar com liberdade, em relações interpessoais e ambientes saudáveis, já que saúde é um valor inegociável para mim.
Ter esse conhecimento a meu respeito me ajuda a orientar minhas escolhas e evitar vagas com grandes chances de frustração.
Por exemplo, já sei que cargos em que eu tenha só que executar ideias dos outros sem poder influenciar ou exercer minha criatividade não me farão feliz, provavelmente. Tampouco vagas com chefes muito autoritários ou que microgerenciem, ou ambientes tóxicos, ou cargas de trabalho que não me permitam conciliar com a minha saúde (dormir à noite, fazer um exercício, ter algum lazer).
Por outro lado, posições de liderança tendem a me cair bem. Importante: não se trata aqui de nenhum juízo de valor, nem estou dizendo que ser assim seja melhor do que ser assado. É apenas o esforço de cada um em conhecer o seu jeitinho e focar a energia em oportunidades que combinem mais com ele.
Imagina só: se em vez de liberdade meu valor mais importante fosse segurança, talvez valesse a pena eu priorizar trabalhos em que eu tenha menos risco de ser demitida (algum concurso público?). Meu valor principal estaria garantido e eu ficaria mais satisfeita.
Ou se fosse riqueza, eu tentaria trabalhar na área que pagasse mais, mesmo que fosse uma coisa muito chata (como eu imagino um escritório de advocacia, desculpa amigos dotôres), muito estressante (como o mercado financeiro) e até em ambientes tóxicos, desde que eles me pagassem bemzão e com muitos bônus. E provavelmente me sentiria satisfeita também. Sacou?
Talvez você precise de uma ajudinha
Como eu aprendi isso a respeito de mim mesma?
Olha, eu sei que o que eu vou te contar agora é tabu para muitos jornalistas, mas eu gosto de pensar que não há segredos entre nós.
Em dezembro de 2022, quando eu comecei a notar que talvez fosse hora de mudar algumas coisas no meu “novo normal” pós pandemia e me senti um pouco perdida, sabe o que eu fiz? Procurei uma coach.
O QUÊ? UMA COACH?
Pois é. Sei que essa palavra dá até um arrepio em algumas pessoas (principalmente entre jornalistas, que nos orgulhamos de ser sabidões que explicam as coisas para os outros) porque engloba todo tipo de profissional, né? Empreendedores de palco, líderes de seita, gurus antivax, sei lá.
Mas esse tipo de coach a que eu fui era uma coisa bem mais simples, que me ajudou a organizar as ideias. Nada mais é do que um profissional que se utiliza de algumas técnicas, ferramentas e roteiros padronizados e testados para te guiar nessas conversas e reflexões, que às vezes são um pouco complexas para você ficar tentando fazer tudo sozinha sem se perder. E te ajuda a olhar a coisa de fora, com uma análise mais treinada da sua situação.
Quer testar? Se quiser refletir sobre os seus valores pessoais sem investir em um coach, vou deixar o modelo para você fazer em casa. O que eu fiz era parecido com esse, e existem modelos parecidos em vários sites de coaching e RH. Não esquece de me contar depois se o resultado te surpreendeu.
Ou pode me escrever mesmo para pedir indicação da coach, se quiser rs. Será um segredinho nosso, sou super discreta. É só deixar um comentário.
A versão de trabalho bom do Obama
Não sei se eu já te contei, mas eu trabalhei muito no ano passado. No segundo semestre, o primeiro em que eu atuava como jornalistas freelancer depois de pedir demissão, eu estava tocando três projetos grandes ao mesmo tempo. Por isso não estranhe e nem julgue o fato de que só agora eu consegui parar para assistir o primeiro episódio da série sobre trabalho, do Barack Obama. Você pode ler mais sobre ele nesta coluna da Patrícia Kogut, que assistiu logo que saiu.
Eu já li uma crítica falando que os últimos episódios dão uma decaída ao tratar dos CEOs, então vou te contar aqui de uma parte que achei útil para nós, do que eu já assisti: conhecer visões diferentes sobre o que é um trabalho bom. (Obama, aliás, tá igual a gente, obcecado em repensar o trabalho da galera).
Segundo o Obama, esta é a definição de um trabalho bom. No doc você pode ouvir na voz dele, que eu curto (ouça o gogó de Obama aqui <3))
“Um bom trabalho é o que você se sente visto e valorizado. Onde você tem a chance de crescer”. (Barack Obama)
Adorei. Simples, eficaz e trabalhoso de achar na vida real, né?
Tem uma outra definição boa de uma moça chamada Randi, que mostra como o conceito de emprego “bom” é relativo e varia de pessoa para pessoa.
A Randi, um jovem negra que cria uma bebê sozinha no Mississipi, decide trocar um emprego em uma fábrica de automóveis por um trabalho de assistência para idosos.
A coisa não é mole no emprego novo: ela tem que limpar a casa dos idosos, dar banho, trocar fralda, fazer compras para aqueles idosos, resolver problemas de banco, fazer primeiros socorros e até reanimação cardiopulmonar em caso de necessidade. Tudo com excelência. No treinamento dela a chefe explica que ela vai lidar com fluidos, fezes, catarro, e precisa lavar as mãos o tempo todo.
Como diz o Obama, trabalhos de serviços como o do cuidado com idosos são conhecidos economicamente como empregos de baixa qualificação, mas que na real exigem muito preparo, vocação, sangue frio, resiliência. Pois bem: a Randi fica super feliz nesse emprego cuidando de idosos, ganhando 9 dólares por hora, o que é bem baixo para os padrões americanos. Ela adora. (Depois dá uns problemas de escala e ela tem que largar. Mas ela realmente se realiza ali com os idosos).
Olha o que ela diz sobre o emprego ideal:
“Você não quer um trabalho que pague pouco e sugue toda a sua alma. Cogitei trabalhar em uma montadora, mas eu queria acordar todo dia com a sensação de ter um propósito na vida. E eu quero ajudar as pessoas”. (Randi Williams)
E a vida, é claro
No mundo todo, mais e mais pessoas têm incluído o item “tempo para viver além do trabalho” na lista de atrativos do emprego dos sonhos. Nos EUA já teve de tudo: grande renúncia, o quiet quitting e outros movimentos questionando a nossa relação com o emprego.
Agora no Brasil, uma novidade: temos o próprio movimento trend pós-pandemia do TikTok para chamar de nosso. É o VAT - Vida Além do trabalho, que tenho acompanhado com curiosidade.
“A minha revolta com a escala 6x1 era para ser apenas um desabafo na rede social, mas tomou uma proporção surreal. Hoje tenho uma missão - defender por mais vida além do trabalho,” explica o influencer Rick Azevedo, defensor e fundador do movimento VAT (Vida Além do Trabalho) e ex-balconista de farmácia.
O Movimento VAT, que quer acabar com a escala 6X1 surgiu no Tik Tok no final do ano passado, trazendo muitos apoiadores, assim como muitos haters. Neste ano, Rick diz que o movimento deve ganhar proporções ainda maiores.
O abaixo-assinado destaca que “é de conhecimento geral que a jornada de trabalho no Brasil frequentemente ultrapassa os limites razoáveis, com a escala de trabalho 6×1 sendo uma das principais causas de exaustão física e mental dos trabalhadores.
A carga horária abusiva imposta por essa escala de trabalho afeta negativamente a qualidade de vida dos empregados, comprometendo sua saúde, bem-estar e relações familiares”. Leia a reportagem completa da Exame sobre o VAT.
Por aqui, ganhar mais tempo para outras atividades que eu sempre adiei foi minha principal motivação para trocar meu emprego por novas formas de trabalho. Minhas atividades preferidas são fazer cursos (sou viciada), atividade física (preciso), fugir do trânsito, das tempestades e da violência urbana.
Em janeiro, comecei a fazer um curso de piano, um sonho que eu adio desde a infância, e finalmente estou usando o teclado que eu comprei há uns dez anos e fica me acompanhando nas mudanças de casa, sem nunca ser tocado. Quando eu aprender venho aqui tocar uma musiquinha para vcs verem.
E você? Tá sobrando tempo para outras coisas legais além do trabalho? Me conta!
Mais para ler e ouvir
Reclamão no trabalho - Já conviveu com alguém que reclama o tempo todo? Esta reportagem da Harvard Business Review mostra que ser um reclamão crônico tem efeitos fisiológicos. Por meio da repetição de sentimentos ruins, tristes, loucos e de impotência, os neurotransmissores no cérebro podem passar por uma “religação” neural, que reforça padrões de pensamento negativos, facilitando a repetição de pensamentos infelizes e deixando pouco espaço para pensamentos mais positivos. sentimentos de gratidão, apreço e bem-estar. Um ciclo contínuo de pensamentos negativos pode até causar danos ao hipocampo, a parte do cérebro usada para resolução de problemas e funcionamento cognitivo. Com o tempo, os reclamantes tornam-se viciados em negatividade, atraídos pelo drama que acompanha uma atitude de reclamação» Como gerenciar um reclamão crônico
Luto da pandemia - Será que você já viveu o luto pelas dores dos tempos pandêmicos, ou tá tentando superar pensando em outras coisas? Interessante este post sobre como estamos todos ainda nos recuperando de 2020.
Sobre carreiras não-lineares - Tá se achando muito viajandão filosofando sobre trabalho aqui comigo? Achei fofo esse texto que acalenta o coração das pessoas que têm uma carreira que segue rotas menos tradicionais, com currículos que contam histórias menos lineares, dá umas voltas doidas, umas pautas. O que as pessoas pesquisadas com esse tipo de carreira tinham em comum? Um grande nível de realização. “Descobrimos que a sensação de realização dessas pessoas não era uma coincidência: era uma escolha”. Uma carreira não tradicional pode não ser para todo mundo, mas este artigo propõe alguns argumentos para você pensar se vale a pena.
Desacelerar pode nos salvar? - Essa é a discussão do episódio Critics at Large, podcast da The New Yorker que investiga do que se trata mais profundamente a “slowness culture”, a ideia de que, em oposição a fazer tudo correndo e apressadamente, tornar o ritmo mais lento para tudo pode melhorar nossa vida, no clima das metas de aprimoramento pessoal de começo do ano. Afinal, fazer tudo mais devagar pode ser a nossa salvação, ou é só mais uma tendência que logo vai passar? Can Slowness Save Us?
Tá ansiosão com as incertezas do ano que começa? - De ansiosa para ansioso, trago-te uma palavra de conforto científico. Sua ansiedade pode ser uma aliada profissional, desde que você aprenda a controlá-la e a conviver com ela (com ajuda de médicos e terapeutas quando necessário, como é o meu caso) e a viver com ela. Em vez de se culpar por ser ansioso, a escritora e podcaster Morra Aarons-Mele dá dicas para você conviver melhor com a ansiedade no trabalho e usá-la a seu favor. Sem romantizar nada, tá. Você pode ler sobre a Morra Aarons-Mele aqui e ouvi-la no podcast The Anxious Achiever.
Voltamos daqui a 15 dias.
Fica bem!
Abração,
Ligia
Crédito: Agradecimentos ao Tércio Silveira, da Forno a Letra, pela revisão.
Sobre a autora
Sou jornalista há 20 anos, com MBA em Finanças e especializada em inovação digital, políticas públicas e temas sociais. Longas passagens pelo G1, Valor Econômico e BBC News Brasil, onde fui editora por 5 anos. Ouvir e histórias que merecem ser contadas é a minha paixão. Você pode conhecer um pouco do meu trabalho clicando aqui