O que a Namaria faria no meu lugar?
Quando falta inspiração para as decisões profissionais, por que não aprender com as grandes musas? Se a Ana Maria Braga não te ensina nada, você está fazendo errado
Quando você é criança e imagina-se adulta trabalhando, construir uma carreira parece um caminho linear. No jornalismo e na comunicação, por exemplo, a pequena Ligia lá no Paraná imaginaria assim: eu me formo na faculdade, começo a trabalhar como repórter, eu brilho, as pessoas vão me recompensando e eu vou crescendo e sendo promovida (para escrever, é claro) até me aposentar, sei lá, como repórter especial, ou autora de livros e reportagens especiais.
Se eu tiver talento, e garra, e essas coisas que recomendam para as pessoas de sucesso, o céu será o limite das minhas recompensas corporativas. The end. Seria bonito se fosse assim. Mas cada vez mais raramente essa conta fecha, ainda mais nesta indústria tão peculiar e cheia de desafios.
Mas a vida adulta rapidamente te ensina que construir uma carreira em que você ascende - financeiramente e em autonomia, principalmente - depende mais de uma trajetória de “pulos” do que de retas. Tipo aquela expressão “dá seus pulos?”
Eu, por exemplo: já mudei de empresas, já fiz todo tipo de trabalho que se há para fazer em redações de jornalismo impresso, digital e vídeo, já fui chefe, já fui repórter, já fiz documentário gringo, já criei grades de cursos, já dei aula, já pedi demissão, já fui freelancer. E olha que ainda tenho bastante rolê pela frente (assim espero, amém).
Se você conhece jornalistas talentosos com mais de 40 anos, dê uma espiada no que eles fazem e comprove minha tese: muitos (e principalmente muitas) dos meus colegas mais brilhantes pularam e continuam dando pulinhos marotos para tudo que é lado: abriram empresas, mudaram de carreira, viraram freelancers, aprenderam a vender e a fazer produtos inovadores, acumularam cargos de edição com coluna e com sei lá mais o quê. Ninguém ficou lá parado fazendo um bom trabalho e subindo em direção ao céu.
Quanto mais você gosta de escrever /criar e deseja manter isso na sua rotina, mais “pulos” você precisa dar. Quantos escrevem aqui, de graça, só para praticar o vício? Viver da comunicação no Brasil é ser um atleta do salto sem vara, diria eu, (entrando no clima das Olimpíadas de Paris, beijo para eles!).
É por isso que, em momentos de indecisão, eu olho ao redor para me inspirar em musas, donas de seus caminhos e de suas vontades. Por que musas e não musos? Por que mulheres têm que ir dando seus pulos e carregando uma galera ao mesmo tempo, enquanto faz várias coisas; porque no Brasil, uma mulher tentando subir tem muito mais obstáculos do que apoio. Então, naturalmente, as dicas delas se aplicam com mais afinidade às minhas questões.
Nosso tema de hoje, data em que eu atrasei esta newsletter em meio a tantos novos acontecimentos na minha vida profissional (que prometo contar num futuro próximo), decidi falar das decisões de carreira de uma grande musa pessoal: a Ana Maria Braga. Palmas para ela.
Mas antes:
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O que a Ana Maria tem
Estava vivendo minha vida esta semana quando fui impactada (é assim que fala quando o algoritmo te oferece um negocinho) por uma entrevista da Ana Maria Braga ao podcast PodPah. Eu adoro entrevistar e ouvir entrevistas, e ouço todo tipo em podcasts quando gosto do convidado. Foi o caso desse.
Se você não ama tanto a Ana Maria quanto eu, deve saber o basicão sobre ela, que é meio o que os entrevistadores sabiam: venceu o câncer mil vezes, ela namora homens mais novos, ela faz plásticas, ela cozinha pacas, ela é excelente comunicadora. As conversas sempre descambam para essa pegada, e foi o caso dessa entrevista.
Mas para mim, a Namaria inspira também por outras razões: totalmente outsider à bolha das elites do Rio e de SP que costumam dominar as grandes empresas de mídia no país, sem dinheiro, sem apoio e enfrentando diversas camadas de preconceito, ela criou para si uma carreira incrivelmente bem-sucedida na TV.
Se você parar para pensar, é difícil pra caramba o que ela conseguiu e consegue fazer. Vou destacar uns pontinhos aqui para, quem sabe, ver se ela te inspira também.
Ela contrariou a família para se tornar quem é
Ser quem você nasceu para ser pode ser bem trabalhoso, você já notou? Nem sempre você nasce em uma casa onde todo mundo te apoia, ou te entende. A Ana Maria nasceu em uma família provavelmente bacana, mas para quem as ambições dela não faziam nem sentido: o pai dela era um italiano rígido e bem mais velho, e queria que ela casasse e fosse professora nas fazendas ali da região de São Joaquim da Barra, no interior de São Paulo.
Ela queria estudar medicina. Descobriu que tinha uma tia em São José do Rio Preto, onde tinha a Universidade Estadual Paulista (Unesp).
O que ela fez? Fugiu de casa. No Roda Viva em que ela foi entrevistada, ela conta como foi a operação de fuga, e o desfecho triste dela com o pai.
“Fiz uma mochila, pulei a janela e fui para a estrada pegar uma carona. Simples assim. Meu pai quando eu nasci tinha 62 anos. Nessa época estava com 82, e era um italiano muito brabo, andava armado, de chapéu. Ele foi me buscar, e chegou em Rio Preto assim, como: de terno, chapéu com o 38 dele. E eu voltei com ele”.
Voltando para casa ela comunicou a ele que realmente queria estudar, e o pai disse: ''Se sair daqui, não conta com um tostão meu”.
Sair de casa assim com certeza é uma decisão dolorosa. Romper com o pai que fica doente deve ser ser uma lembrança que assombra a vida toda.
Tenho certeza de que a Ana Maria preferiria ser feliz no trabalho e feliz com a família toda, como todo mundo quer. Mas nem sempre é assim, e bancar esse tipo de decisão traz suas dores e suas recompensas, e requer coragem. Olha o que ela diz sobre isso.
“Ele me fez um grande favor né porque eu aprendi muito. Com isso eu precisei começar a trabalhar, com essa idade fora para pagar a faculdade, o pensionato, o tênis, a calça. Ele infelizmente ficou com Alzheimer e quando eu voltei lá, seis meses depois, ele já estava doente. Ele nunca mais me reconheceu”.
Tinha plano, mas aproveitava oportunidades
A jovem Ana Maria queria ser médica. Não tinha dinheiro, decidiu começar pela biologia. Fez mestrado em répteis e anfíbios. Fosse ela daquelas pessoas que têm um plano e não saem do foco, talvez ela fosse médica. Seria bom? Para mim não, porque eu gosto de assistir Mais Você.
Como ela precisava pagar as contas além de estudar, ela ia abraçando convites e oportunidades que, embora não fossem o seu sonho, ela sabia que ia fazer bem, aprender coisas ou treinar outras habilidades. Em Rio Preto, ela começou a usar o horário de almoço para levar potenciais investidores para conhecer a TV Tupi, por exemplo. Também topou quando foi convidada para um teste para apresentar um jornal local na cidade: foi ali que se apaixonou pelo microfone, inclusive.
Entre os anos de 1974 e 1980, na Tupi, produziu e dirigiu o programa de variedades Agora Boa Tarde, exibido ao vivo. Também apresentou o telejornal Panorama e, uma vez por mês, comandava o musical Grande Parada, junto com o ator Tony Ramos.
Ainda na missão de estudar biologia, ela largou o emprego em Rio Preto e mudou-se para São Paulo para fazer o mestrado em répteis. Começou a trabalhar na Band, como repórter, e a morar em um pensionato, dividindo quarto com várias meninas. Daí percebeu que precisava fazer jornalismo para trabalhar, e mudou a rota: foi fazer uma segunda faculdade.
Se formou em jornalismo, foi assessora de imprensa da Sílvia Maluf e, entre 1983 e 1993, ocupou a diretoria de publicidade das revistas femininas da editora Abril. Em sua gestão, a revista Elle foi implantada no Brasil.
Após 10 anos afastada da televisão, em 1993, Ana Maria Braga foi convidada para dirigir um programa de culinária na TV Record, o Note e Anote.
Ela tinha foco, mas também era versátil
Acho legal essa trajetória dela com a biologia e o jornalismo, porque geralmente a gente acha que ter um super foco é sinônimo de sucesso, né. Eu tenho algumas paixões, mas curiosidades infinitas.
Então às vezes eu estou em um rumo e alguém me convida para fazer algo que desperta o meu interesse. Eu tendo a abraçar, desde que eu vá crescer de alguma forma, aprender coisas novas. Mesmo que eu ainda não saiba fazer, ou que seja um pouco arriscado - e muitas vezes eu mudo de plano e me acho sem foco.
Mas aproveitar oportunidades é parte importante da vida, né? Qual o melhor caminho? Não sei, depende. Apenas mais um assunto para pensar sobre o trabalho.
Ela não desiste quando tem torcida contra
Eu já via o programa da Ana Maria na Record (aquela época boa de colégio em que se vê TV à tarde, sdds). E lembro muito bem do choque visual que rolou quando ela começou na Globo: ela era uma loira de rabo de cavalo, bonita, mas mais velha do que as que trabalhavam na TV, como a Xuxa, a Angélica, a Eliana.
Namaria já tinha 50 anos quando estreou no Mais Você, acredita? Quão raro é uma mulher estrear com essa idade em alguma coisa na TV.
Usava luvinhas que despertavam a maior curiosidade (ela dizia que fazia laser na pele e precisava proteger). Rabo de cavalo com franja, um papagaio estranho, passava embaixo da mesa comendo, chamava cachorro. Imagina o tanto de diretor que torcia o nariz pra ela?
No Roda Viva, perguntaram para Namaria o que ela achava do apelido “Ana Maria Brega”, que seria como as colegas das revistas femininas a chamavam pelas costas na época em que era diretora comercial na Abril. Alou compliance, que não devia existir naquela época.
Imagino aquele ambiente de editoras fashionistas da revista feminina, e a Ana passando lá, com seu estilo diferentão.
Olha o que ela disse no Roda Viva sobre o apelido:
“Na época eu devia ser brega mesmo. Todo mundo era muito chique, de Elle, de Cláudia, e eu virei diretora, passei na frente de um monte de gente, eu estava aprendendo a viver, a me vestir melhor, eu não era tudo isso. Deviam ter razão, e eu fui tentando ficar só Braga ao longo do tempo, para me sentir mais feliz”.
Hoje mesmo, na era das redes sociais, ela deve ouvir bastante bobagem: sempre escuto alguém falando das plásticas que ela fez, ou sobre a idade dela, ou de alguma questão relacionada à aparência.
De tempos em tempos rola um boato de que ela está velha para TV, que ela vai sair do programa e vão arrumar uma sucessora. Tem fã, mas tem bastante torcida contra, sempre.
Também acho o fato de ela seguir aí com tanto falatório bastante inspirador: esperar torcida a favor de todo mundo no seu trabalho para acreditar em você e nos seus projetos também pode ser uma cilada.
Fora isso, ela teve câncer quatro vezes, o melhor amigo dela do trabalho (o Louro José) morreu do nada, e ela sempre falou de tudo isso ao vivo, na TV. Se isso não é comunicadora gênia, não sei o que é. Obrigada, Namaria!
Para ler e assistir
Elas só querem trabalhar - Minha dica é a série Hacks, disponível na HBO Max. Não parece, mas é sobre trabalho: duas comediantes de gerações diferentes - uma decadente, 60+, e uma em ascensão, gen Z, que são apaixonadas pelas carreiras e precisam trabalhar juntas. E mostra um pouco de como a sociedade vê as mulheres obcecadas pela carreira. É um jeito estranho e simplista de descrever a série. Elas são ótimas e a série é muito boa.
Contratados pela personalidade - Diz que depois do baixo astral que tomou conta dos escritórios na pandemia, a moda é contratar algumas pessoas pela personalidade. Sabe aquele colega que dá um UP no ambiente? Gostei dessa definição e adoro trabalhar com gente assim: “Eles são a pessoa da equipe que consegue se dar bem com qualquer pessoa, principalmente se o relacionamento estiver azedo. Eles podem repará-lo e transformá-lo em positivo”.
Lembrei desse gráfico abaixo que eu vi uma vez no Linkedin:
Trabalhe e seja legal, mas não esquece de ficar bem!
Beijos,
Ligia
Sobre a autora
Sou jornalista há 20 anos, com MBA em Finanças e especializada em inovação digital, políticas públicas e temas sociais. Longas passagens pelo G1, Valor Econômico e BBC News Brasil, onde fui editora por 5 anos. Ouvir e histórias que merecem ser contadas é a minha paixão. Você pode conhecer um pouco do meu trabalho clicando aqui
Bah, lendo sobre a Ana Maria só o consegui pensar na minha avó, que era fã incondicional dela e tinha TODOS os ímãs de geladeira que ela apertava quando pedia, embaixo da mesa, "solta os cachorro!". A Namaria nunca vai saber de mim, mas faz parte das minhas memórias afetivas, quando eu anotava receitas do Note&Anote com a minha vó ao lado no sofá. Bons tempos :)
Obriga pelo texto, adorei saber mais sobre ela!
'Namaria' iria amar o teu texto, com certeza!