Pare para relembrar sua história (e minha relação abusiva com o celular)
Nesta edição, vou contar como meu novo formato de trabalho me permitiu novas maneiras de comemorar meu aniversário - mesmo "punida" com noites em claro depois para compensar. Ah! E tem bônus em áudio!
Começamos esta edição desta newsletter pedindo desculpas pelo atraso nesta nossa conversa quinzenal que eu amo tanto. Estava com saudades! Mas vejam só: os motivos que me levaram a perder nosso prazo têm tudo a ver com os assuntos sobre os quais nós gostamos de conversar sobre nesta newsletter, então tudo será aproveitado e vou contar para vocês aqui, em uma conversa mais pessoal em ritmo de efemérides.
Para celebrar essa edição especial de aniversários e pós-feriados, uma novidade: hoje tem um bônus em áudio lá ao final do texto em que eu falo sobre um problemão da humanidade e meu: a relação cada vez mais abusiva com o celular. Fica até o final e ouve quando puder, com calma: são só uns seis minutinhos.
Mas antes:
Abril é um mês especial para mim: é o meu aniversário, no dia do jornalista. E além disso tem a Páscoa, feriado que, nos últimos anos, tem virado uma oportunidade de reunir a minha família - que mora em Estados diferentes - em algum lugar.
Ano passado, quando a minha mãe precisou fazer três cirurgias no cérebro por causa de um câncer que atormenta a vida dela há anos, cancelei minha festa de aniversário para ir me reunir com ela, minhas irmãs, meus avós e primos para uns dias chuvosos em uma praia no Paraná. Daqueles que ajudam a criar coragem antes de semanas difíceis e imprevisíveis de UTI.
Eu tinha acabado também de tomar uma atitude importante: pedir demissão do meu emprego (que era o meu maior salário e maior estabilidade da vida e no qual eu seria promovida) para tentar explorar o mundo freelancer e novos formatos de trabalho. Foi um ano cheio de emoções fortes, o tal do 2023.
Este ano, com minha mãe em tratamento mas recuperada da cirurgia, retomamos o encontro em notas bem mais festivas: vieram do Paraná para a minha casa (ou para uma casa próxima da minha, porque não cabia todo mundo rs) meus sobrinhos, meus tios, avós, primos, mãe, afilhados, uma reunião de gente querida.
Muitos conheceram pela primeira vez a minha skin rural : eu mudei para o mato durante a pandemia e por aqui continuo, uma mudança de personalidade chocante para familiares e amigos que me conheceram como criança de apartamento e uma jornalista urbana que sempre lutou para morar perto do lugar em que eu estivesse trabalhando.
O que isso tem a ver com a newsletter, ó Ligia? Tem que foi uma experiência meio inédita para mim, e que só rolou por causa desse meu esforço dos últimos anos buscando uma relação mais saudável com o trabalho. Vou dar exemplos:
- Foi a primeira vez que meu sobrinho de seis anos e os pais dele vieram para a minha casa (eles moram em Santa Catarina), para passar uma semana.
Se fosse em outros tempos, eu teria tirado uns dois dias de folga e passaria os demais dias saindo com eles à noite, e trabalhando durante a manhã e a tarde com eles aqui. Dessa vez fiz diferente: adiei meus trabalhos para a semana seguinte e me empenhei em criar ótimas lembranças da viagem para o Pedrinho (que detesta bichos e saiu dizendo que “tia Ligia é sortuda, porque morar na floresta é super legal”).
Meus sobrinhos e afilhados e crianças da família que moram em Estados diferentes caçaram juntos ovos de Páscoa no meu quintal, um momento lindo e um sonho que eu nem sabia que tinha. Amor puro, memórias para a vida. Amei.
- “Uau, você descobriu a chave para a perfeição e agora vai vir aqui cagar regra (pardon my french) na nossa cabeça?”. Não. Como eu não trabalhei naquela semana, e este mês era quando eu ia começar pesadamente a minha rotina de frilas já agendados, eu trabalhei sem parar na semana seguinte.
Passei, por exemplo, a noite do dia 7, meu aniversário, escrevendo sem parar madrugada adentro, ainda meio de ressaca da minha comemoração delícia e cheia de amigos que eu fiz sábado, para entregar meus trabalhos cujo prazo era segunda, dia 8.
E mais duas madrugadas adentro naquela semana, que me deram dor no pescoço, tipo torcicolo rs. Foi o ideal? Não. Valeu a pena? Valeu. Porque me senti bem ao ter flexibilidade ao escolher o que era mais importante, e viver momentos legais de vida pessoal e trabalho nos meus moldes.
Conte para você mesmo - e aprenda a valorizar sua história
Por que eu estou contando isso para vocês? Um dos hábitos que aprendi à força nos últimos anos - após muitos apelos da minha ex-terapeuta tentando me convencer - é que eu tenho que aprender a celebrar minhas conquistas, minhas pequenas vitórias. Como essa, por exemplo, de poder folgar uma semana toda, trabalhar muito na outra, e viver meu aniversário e meu feriado nas minhas regras. Primeira vez na minha vida toda!
E eu, contrariando as recomendações da psicologia, sempre fui dessas que nunca se elogia ou reconhece o caminho percorrido. Pensava mais no que ainda faltava eu fazer.
É bem fácil para quem atua em carreiras mais incertas como o jornalismo, que sempre tem uma casca de banana ali para você escorregar, pensar mais nos problemas do que no quanto você ralou para estar ali e o quanto você já percorreu.
Esse ano - em junho - faz 20 anos que eu pedi demissão dos meus empregos de professora de inglês no Paraná para vir tentar ser jornalista em São Paulo. Eu já contei essa história - eu era formada em jornalismo mas em Londrina não tinha emprego, e fui ganhando um dinheirinho como professora, coisa que eu fiz durante toda a faculdade.
Agora vou mostrar duas maneiras de analisar a minha história: como eu fazia antes e como eu faço agora, que estou me treinando para apreciar minhas conquistas.
- Eu antes (da terapia rs): “Pô, eu trabalho muito mas não me dedico todos os dias aos temas que eu queria, não consigo fazer as coisas que eu quero. Já era pra eu ser colunista, ou repórter especial de algum lugar, ou alguma coisa mais autoral, e não fiz nada ainda. Era para eu ter sido escolhida ali no projeto X e escolheram o Y, só porque ele é homem porque eu sou bem melhor que ele (é o meu cérebro tá gente, ele tende a gostar mais de mim que dos outros rs). Era para eu ser rica né, será que um dia vou me aposentar? Puxado, galera. Tenho muita coisa pra resolver ainda nesta minha vida após 20 anos trabalhando”.
- Eu depois da terapia (e de amadurecer mais né, claro): “Pô, eu vim do Paraná para São Paulo sem conhecer ninguém e sem um tostão furado, aprendi a pegar ônibus pra Avenida Paulista e procurar empregos em agências de emprego lá, todo dia. Meu primeiro emprego só dava para alugar um quarto, não pagava nem vale transporte e eu fiz dois MBAs em economia só para aprender a ser jornalista nos empregos que eu consegui; eu era uma menina tão insegura e aprendi a confiar no meu trabalho e hoje eu sou capaz de ajudar um monte de gente; eu construí uma carreira linda trabalhando em lugares que pareciam inatingíveis para mim: se a Ligia sem emprego em Londrina me visse naquela época, a minha vida seria o sonho dela: eu conquistei a vida que um dia era sonho para mim! Parabéns, foi lindo.
Agora seguimos atrás dos próximos sonhos, que sonhar mantém a gente vivo.
Treine aí
Esse papo tem tudo a ver com uma reportagem que eu fiz este mês, publicada pela minha querida BBC News Brasil, sobre como usar melhor o seu Linkedin. Vou replicar um trechinho aqui:
“Se você não souber resumir sua trajetória para alguém na vida real offline, dificilmente o fará de maneira eficiente no LinkedIn. O treino para aprender envolve relembrar os fatos da sua vida e chegar a um encadeamento e edição que faça sentido para seus objetivos.
No livro Seja Egoísta com a sua carreira, o mentor e palestrante Luciano Santos diz que uma boa técnica para treinar é contar a sua trajetória em cinco minutos. Eventos considerados negativos pelo profissional, como desgostar de um emprego ou decidir trocar de faculdade, podem ser apresentados de maneira positiva.
"A parte mais legal é que, quanto mais você pratica, melhor fica a sua capacidade de contar sua história."
Como parte do treino ele também recomenda algumas ações, como listar de três a cinco principais eventos pessoais e profissionais que aconteceram na sua vida; pode ser desde a faculdade ou a partir do início da sua vida profissional.
"É importante não citar apenas os eventos que considera relevantes, mas sim todos nos quais gastou tempo e energia."
Reflita sobre todos eles. O que aprendeu? Essas experiências fizeram de você uma pessoa mais forte? Para cada um desses eventos, crie pequenas histórias que possam ser contadas em tempo de um a dois minutos; junte todas essas histórias em uma narrativa e teste o produto final”.
Você pode ler a reportagem na íntegra: Emprego: 10 dicas para usar o LinkedIn e conquistar a vaga dos sonhos em 2024
Abrace sua versão adulta
Outro tema que eu queria trazer aqui é de outra reportagem que fiz sobre uma coisa que me ajudou: os ensinamentos da psicóloga norte-americana Nicole Lepera.
Eu sei que muita gente torce o nariz para autoajuda, mas minha geração foi criada por outra geração cheia de questões emocionais mal resolvidas há muitas gerações rs, e a gente aprendeu muita coisa errada que atrapalha a nossa vida adulta. E pensar um pouco sobre isso, no máximo, não vai fazer mal.
Para quem não quer ler nem a reportagem ( 'Seja seus próprios pais sábios': a psicóloga que incentiva adultos a cuidarem de sua criança interior para superar traumas) nem os posts e nem o livro dela, eu daria uma diquinha boa:
pense em frases sobre crenças a respeito de você mesmo que você aprendeu na infância (ex: eu tenho um temperamento ruim e sou muito rude e nervosa com as pessoas, ou; eu não sou inteligente o suficiente) e literalmente reescreva a mensagem que você quer “desaprender” sobre você (ela provavelmente é falsa, anyway):.
Ela ensina sobre como usar um diário para reaprender ideias falsas a seu respeito aqui, mas deixo um exemplo abaixo para quem já quiser experimentar.
Exemplo de frases para escrever no seu diário todos os dias:
Defina sua afirmação diária (sobre uma ideia falsa a meu respeito que eu quero reaprender). Estou calmo e tranquilo. Sou capaz de observar e não reagir
Hoje vou me concentrar em mudar meu padrão de:
Reagindo habitualmente a situações quando enfrentamos um gatilho emocional
Eu sou grato por:
A oportunidade de me tornar uma versão diferente de mim mesmo. Meus animais de estimação, minha família, a capacidade de criar, minha trilha favorita
A pessoa que estou me tornando experimentará mais:
Alegria, gratidão, abundância e capacidade de viver no momento presente
Tenho a oportunidade de ser meu “eu” futuro hoje quando:
Faça uma pausa e ouça em vez de reagir
Tem uma galera que não quer que a gente durma
Aproveitando esse clima de efemérides desta edição, vou estrear meu primeiro conteúdo em áudio contando para vocês como eu tenho a sensação de que o meu celular, esse cara maneiro que sempre me acompanhou desde que foi inventado, anda querendo que eu viva estressada, sem foco, com o cortisol alto, e sem dar atenção para os meus cachorros, mesmo que eu tenha mais tempo e flexibilidade no trabalho. Será que era ele o “vilão” o tempo todo?
Deixo aqui uma leitura para te fazer pensar: nossa atenção foi hackeada pelo celular, pelo Netflix e pelas redes sociais, e olha que traidores: essa galera não quer que a gente durma.
“Uma breve olhada no celular durante uma tarefa importante e lá se foi a sua atenção, hackeada por uma rede social ou por uma informação irrelevante para a sua vida naquele momento. E, com isso, minutos ou horas preciosas se foram. Quando isso acontece, é comum não perceber de primeira o que levou a perder o foco”.
E aqui vem o trecho que me causou revolta:
Certa vez o cofundador da Netflix, Reed Hastings, disse que um dos seus principais competidores é o sono das pessoas, sugerindo que ali há um grande tempo a ser hackeado. Ele disse: “pensem bem, quando veem uma série da Netflix e ficam viciados nela, ficam acordados até tarde da noite. Estamos competindo com o sono, na margem. Portanto, trata-se de uma grande quantidade de tempo”. Ou seja, dormir, uma atividade humana central, é um péssimo negócio para a economia da atenção.
Para ouvir: Nesta edição especial, um bônus em áudio em que eu conto minha relação com meu celular, que se tornou absolutamente abusiva. Como sair? Escuta aqui e me conta como é sua relação (e me dá dicas se você tiver?)
Para ler mais:
- Intenções para o seu dia: uma outra forma de usar seu diário (eu tive vários ao longo da vida e sempre me fizeram bem) : dedicar e escrever intenções para cada dia. Vi esse vídeo desta vida desta influencer que parece utópica de tão organizada, mas achei que esse home offic tão instagramável e organizado deve dar grande paz interior. Mas começar o dia pensando no que você quer dele também não parece má ideia, não? Assista ao vídeo
- Paixão não é tão importante assim: Interessante este artigo do New York Times que explica que essa pressão de ter que se realizar e ser apaixonado pelo trabalho pode ser uma grande cilada e saiu de moda depois da pandemia.
“Nos disseram que só é possível realizar-se através do trabalho, mas as pessoas estão começando a ver que existem outros aspectos da vida tão ou mais importantes do que o trabalho”, disse Jae Yun Kim, professor assistente de ética empresarial na Universidade. Asper School of Business da Universidade de Manitoba. “As pessoas estão começando a tratar o trabalho como trabalho, e isso é um bom sinal.”
- Dormir é fundamental para a saúde: “Quando dormimos, o cérebro muda totalmente de função. Torna-se quase como um rim, removendo resíduos do sistema. A sua equipe descobriu em ratos que o sistema de drenagem do sono remove algumas das proteínas ligadas à doença de Alzheimer. Essas toxinas foram removidas do cérebro duas vezes mais rápido durante o sono. Tudo, desde os vasos sanguíneos até o sistema imunológico, usa o sono como um momento de reparação, diz o Dr. Kenneth Wright Jr., pesquisador do sono da Universidade do Colorado.
Portanto se esforcem ao máximo para dormir, sempre, é o apelo que eu deixo aqui hoje.
Obrigada por chegar até aqui, tem sido muito legal ver essa comunidade crescer! Deixe comentários ou me mande um e-mail no laigous@gmail.com para prosear.
Um beijo. E fica bem!
Crédito: Agradecimentos ao Tércio Silveira, da Forno a Letra, pela revisão
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